Há duas coisas que tem já de saber sobre o Sauvage: não, não é o espaço físico do restaurante digital de Olivier e sim, está no antigo Masstige, no Campo Pequeno.
A confusão é legítima e é uma coisa que queremos sempre evitar quando queremos comunicar o nome de um restaurante: confundir com outro que já existe – foi isso que aconteceu connosco.
Quando recebemos o convite para o almoço de imprensa para apresentação deste novo espaço no Campo Pequeno (que fica onde antigamente estava o Masstige) pensámos que o restaurante Uber Eats de Olivier ia passar a estar aberto, fisicamente, ao público.
E é fácil perceber porquê: Sauvage e Savage são dois nomes praticamente homófonos, que soam ao mesmo para quem não souber um pequeno detalhe – ‘savage’ lê-se com pronúncia inglesa (sævɪdʒ) e ‘sauvage’ é a versão francesa. Entre elas, além do som, está um ‘u’ de diferença, muito pouco para evitar confusões.
O curioso é que este Sauvage abriu já há quase seis meses: foi a meio de Dezembro que o Masstige deixou de existir na Av. António Serpa para dar lugar ao Sauvage, depois de a sociedade que tinha o primeiro restaurante se ter quebrado.
Foi então que dois dos sócios (António Maria Carrilho e Rui Jácome) decidiram arrancar com este novo projecto, o que fez com que o Masstige tenha deixado de ter um espaço físico – o nome está agora apenas associado a um serviço de catering.
Como conceito, os novos responsáveis decidiram-se por um espaço de gastronomia de fusão que «alia o sabor de pratos multiculturais de referência ao melhor da cozinha tradicional portuguesa». O chef é Ricardo Gonçalves, que passou pelo Enoteca de Belém.
Na decoração estão presentes ainda vários elementos do antigo Masstige, como os candeeiros, mas onde antigamente havia uma prateleira de frescos, com pratos pré-preparados para take-away, entre duas salas, agora há uma zona decorada como se fosse uma selva (na foto em cima).
A ideia de trazer um jardim para dentro de um restaurante não é nova: em Lisboa conhecemos, por exemplo, o Erva, que também já visitámos a convite dos responsáveis, e que tem um conceito muito semelhante: até as cadeiras, as mesas e a louça é semelhante.
Tal como no Erva, e como já começa a ser natural encontrar em Lisboa, estes novos restaurantes da moda têm uma zona de bar antes de entramos na sala, onde há os chamados cocktails de assinatura, ou seja, receitas especiais feitas pelos barmen dos espaços.
No Sauvage também temos este ponto de paragem, para beber um copo after-work ou para esperar por uma mesa. E, claro, também aqui temos os tais cocktails especiais: ao todo são doze.
Durante o almoço de imprensa não nos foi proposto provar qualquer um deles, o que achámos estranho, mas depois de perguntar se era possível beber um, chegou-nos uma sugestão do barman, que é um dos destaques do Sauvage: o King Kong, uma reinvenção da clássica margarita mexicana, mas com sumo da fruta japonesa yuzu.
A Serpiente Dorada (pisco sour de manga – lá está a fusão) e o Mowgli (cocktail de morango) trazem também o espírito da selva ao Sauvage, não fosse este último o protagonista da história infantil de Rudyard Kipling, adpatada ao cinema em versão live acting e em animação: Jungle Book.
Nestes almoços de imprensa tudo é feito para que haja o mínimo de falhas no serviço e na comida, e foi mesmo isso que aconteceu no Sauvage, com a vantagem de termos podido provar um menu de degustação feito para o momento, com três entradas, dois pratos principais e duas sobremesas, tudo harmonizado com três vinhos: o branco de Estremoz Zagalos, o tinto Dão de Dirk Niepoort e o licoroso de Carcavelos Villa Oeiras.
A experiência de sabores, texturas e contrastes foi bastante consistente ao longo dos sete pratos: foi difícil encontrar falhas nuns óptimos nigiri de pato fumado e taco de porco, muito menos naquele que, talvez, tenha sido a estrela da refeição: o foie gras sobre pão de focaccia e espuma de café.
Nos pratos principais, a tónica foi a mesma: primeiro chegou um lombo de bacalhau lascado com ketsiap (a palavra japonesa para ‘molho’ deu origem a ‘ketchup’) de tomate, cebolada, gelatina de salsa e batatas à portuguesa como cama que só precisava um pouco mais de sal; depois, foi a vez da carne, com a segunda proteína a chegar sob forma de magret de pato, com puré de raiz de salsa, cenoura caramelizada, couve romanesca, molho de laranja e brandy. Todos os ingredientes jogam bem, neste pratos, e colocam-nos muito perto do conceito de ‘fine dinning’ que o restaurante também reclama (pode ver o menu completo aqui).
Para terminar, duas das sobremesas de uma lista de sete propostas: a panna cotta de chocolate branco, com culi de frutos vermelhos e zest de laranja caramelizada (outra das estrelas do almoço) e uma simples mousse de chocolate, com creme mascarpone e nougat de amendoim, algo pesada, sem a leveza que seria de esperar para um final de refeição que tinha sido tão consistente.
Como primeira impressão, o Sauvage parece ser um dos bons novos restaurantes de Lisboa, apesar do cliché dos pratos de fusão e da decoração da sala, com apontamentos de naturezas mortas que já vimos em diversas ocasiões.
Este menu de degustação que provámos ao almoço foi uma boa amostra do que podemos esperar deste novo restaurante do Campo Pequeno, que ainda tem uma esplanada no fundo da sala que pode ser muito bem aproveitada em dias de Verão. Resta saber se o conceito sobrevive ao seu próprio desafio e ao nome, que choca muito com o já existente de Olivier e que pode ser um ponto de atrito na altura de passar a palavra.