Depois de uma longa pausa (a última geração tinha saído em 2016), o nome Scenic regressa ao catálogo da Renault — mas não como o familiar de formas arredondadas que muitos guardam na memória.
É uma moda destes tempos: quase todas as marcas têm nos SUV alguns dos seus principais modelos, com a Renault a apostar muitas das suas fichas neste conceito. Assim, de repente, temos o Captur, o Mégane (que também tinha outro conceito), o Symbioz, o Espace – e até o novo 4 E-Tech passou a ter a ser alvo desta abordagem.
A verdade é que são já vários os Renault com um formato semelhante, algo que pode gerar alguma confusão no mercado e junto de quem quer comprar um destes novos modelos da marca francesa. O que nos parece é que há alguns SUV que se “atropelam”: por exemplo, o que distingue, de forma bem marcada, um Captur de um Scenic ou de um Mégane? A forma, o design?
Podemos começar por aqui, nesta análise: o novo Scenic tem presença. O aspecto exterior é marcado por arestas vincadas, tanto na carroçaria como no recorte das ópticas, o que lhe dá um ar agressivo e até futurista. A grelha dianteira, onde se repetem pequenos logótipos da Renault estilizados, acaba por ser um detalhe distinto, que o separa dos seus pares.
No habitáculo, os bancos traseiros oferecem um conforto digno de um lounge sobre rodas. O espaço é generoso e permite até esticar as pernas – e muito. Se forem apenas dois ocupantes atrás, o apoio de braços central revela-se um grande trunfo, que dá ares de um daqueles automóveis para figuras de Estado.
Aqui, encontramos duas bases rotativas para copos, suportes para tablet ou smartphone, e uma zona de arrumação com duas portas USB-C. Entre os bancos traseiros, há ainda saídas de ar e mais duas destas ligações; ou seja, temos quatro opções para ligar dispositivos, o que será muito útil para famílias que viajam com crianças e precisam de as entreter com desenhos animados no YouTube.
À frente, os bancos mantêm o conforto, com bons apoios lombares e regulação de costas. No entanto, o design parece algo desalinhado com o restante ambiente do cockpit, onde se misturam forros em tecido, plásticos duros e um tablier com acabamento que imita pele cosida.
No habitáculo, temos algo que também começa a ser um clássico: a iluminação adapta-se aos modos de condução, com faixas LED que percorrem as portas, o tablier e a consola central, o que reforça o ambiente imersivo do Scenic. O tejadilho é outro destaque: o Solarbay (um opcional de 1500 euros).
Este sistema substitui a tradicional cortina retráctil por um recurso de escurecimento progressivo, por zonas, que regula a entrada de luz natural. O Solarbay não é apenas um gimmick para mostrar aos amigos e arrancar alguns ‘oh’ e ‘ah’: consideramo-lo eficaz na forma como actua na gestão de luminosidade que banha o interior deste SUV.
Também fora do vulgar é o espelho retrovisor. À semelhança do que vimos no Polestar, é, na verdade, (também) um ecrã que transmite o vídeo da câmara traseira. A qualidade da imagem não impressiona — tal como acontece com a câmara de marcha-atrás – mas se o usarmos em modo espelho convencional (basta usar a patilha que, nos automóveis tradicionais, impede o encadeamento), o campo de visão é reduzido, em parte por causa dos três apoios de cabeça traseiros.
Esta mistura de funções acaba por criar alguma indefinição. Preferíamos que a Renault tivesse apostado sem reservas no ecrã, em vez desta solução ambígua. O ajuste da imagem (luminosidade, plano e zoom) faz-se através de botões físicos na base, a fazer lembrar um monitor de computador, quando poderia ser mais intuitivo integrá-lo no sistema multimédia.
A consola central é dominada por um ecrã vertical de 12 polegadas com a plataforma da Google integrada, que não compromete – no entanto, é sempre melhor usar o smartphone emparelhado e tirar partido do Apple Car Play ou Android Auto, que aqui ficam especialmente bem.
Na base, encontramos controlos físicos dedicados ao ar condicionado, bem como uma linha digital permanente com atalhos rápidos para funções como o aquecimento dos bancos ou a direcção do fluxo de ar. As animações do painel de instrumentos digital (12,3 polegadas) são as mesmas que já tínhamos visto no Renault 5 E-Tech, incluindo a representação surpreendentemente fiel de outros veículos no trânsito, como camiões, autocarros e motas.
O volante repete também os comandos do pequeno eléctrico da Renault, a nossa última referência dos automóveis da marca francesa. Atrás, encontramos duas patilhas — mas não para mudanças. No Scenic, servem para ajustar os quatro níveis de regeneração da bateria: a da direita reduz, a da esquerda aumenta. Esta abordagem torna-se rapidamente intuitiva e ajuda a adaptar a condução ao tipo de estrada ou tráfego: usámo-las muitas vezes em vez de estarmos a recorrer ao travão, uma nova e curiosa forma de controlar um automóvel.
Tal como vimos no 5 E-Tech, o Scenic também traz o sistema Multi-Sense, com quatro modos de condução: ‘Eco’, ‘Comfort’, ‘Sport’ e um modo ‘Personalizado’, que nos permite definir a resposta do motor, o comportamento da direcção e a dinâmica geral do automóvel. Tudo é bastante intuitivo e fácil de configurar, algo que começa a ser uma tradição nos novos Renault.
A arrumação é um dos pontos fortes deste modelo. A consola central tem vários compartimentos: uma base fixa para garrafas e copos, outra zona modular com divisórias móveis em três posições e uma zona que peca por ser demasiado profunda, com um acesso que se torna bastante complicado. Aqui, temos uma tomada de 12V, cuja localização pouco prática é um dos (poucos) erros de ergonomia deste SUV.
Há ainda um alçapão sob o apoio de braços com mais arrumação e uma bandeja onde nos acostumámos a colocar a chave, junto a duas portas USB-C. Para carregar o smartphone existe uma base sob os botões físicos, discretamente integrada por baixo dos botões físicos do ecrã principal, mas com outro erro: o torna-se acesso complicado, especialmente para quem tem mãos maiores.
O sistema de som Harman Kardon, com nove altifalantes e 410 W, deu-nos uma experiência auditiva envolvente e de qualidade. Já os controlos do volume e do ecrã passaram para a moldura lateral do ecrã e são, agora, sensíveis ao toque, uma solução prática. No Captur e no 5 E-Tech, a Renault colocou-os no topo, o que não facilitava muito a sua operação.
A função de estacionamento mãos-livres continua a ser eficaz e intuitiva, e um botão localizado à esquerda do volante permite activar rapidamente o modo ‘My Safety’, onde é possível desligar os alertas das ajudas à condução — uma decisão inteligente da Renault, já que estas assistências podem tornar-se muito intrusivas (o som dos alertas é incómodo).
A autonomia anunciada para esta versão com bateria de 87 kWh é de 784 km em ciclo urbano e 603 km em ciclo combinado, segundo a marca). Após percorrermos 224 km, registámos um consumo médio de 13,7 kWh/100 km (auto-estrada, estradas secundárias e cidade) e um EcoScore de 70/100, o que demonstra uma boa eficiência, mesmo com os 220 cv disponíveis. Os consumos homologados são de 17,4 kWh em ciclo combinado e 13,4 kWh em urbano, o que faz com que o nosso resultado tenha sido melhor que o “oficial”.
Com um preço final de 54 900 euros (incluindo extras como o tejadilho Solarbay e a cor cinzento Schiste), a nova “vida” do Renault Scenic personifica-se num familiar com argumentos sólidos — especialmente no conforto e na habitabilidade traseira. Apesar de algumas falhas, acaba por ser uma proposta distinta, num segmento onde a Renault vai somando modelos com ambições semelhantes.