ร assim que comeรงam muitas anedotas. Mas, vรฃo por mim: jantar no Infame nรฃo รฉ anedota alguma. Mas dรก igualmente para rir com o nome de alguns pratos, o que atรฉ ajuda a tornar a refeiรงรฃo melhor.
O Infame รฉ um restaurante de hotel? ร. Mas aqui hรก duas coisas a ter em atenรงรฃo: primeiro, estรก numa das zonas da cidade que tem ganho mais vida nos รบltimos tempos. Ironicamente, estamos a falar de um dos largos mais infames da histรณria recente de Lisboa, o Intendente. Vou escusar-me a dizer por quรช.
Depois, o Infame รฉ ‘sรณ’ o restaurante de um dos hotรฉis mais bem recuperados e decorados da capital: o 1908, um verdadeiro hino ร quilo que deve ser a capacidade de remodelaรงรฃo e manutenรงรฃo da traรงa original de um edifรญcio histรณrico.
Gerido pela Amazing Evolution, o 1908 Lisboa Hotel ocupa um edifรญcio estilo Arte Nova da autoria do arquitecto Adรฃes Bermudes, detentor de um Prรฉmio Valmor.
O edifรญcio foi recuperado por Manuel Pardal Monteiro (filho de Antรณnio Pardal Monteiro, tio de Porfรญrio Pardal Monteiro, um dos mais importantes arquitectos portugueses da primeira metade do sรฉc. XX), do atelier Pardal Monteiro Arquitectos.
O que queremos dizer รฉ que, logo ร partida, รฉ impossรญvel passar pelo Intendente e pela Almirante Reis e nรฃo reparar no hotel, muito por culpa da iluminaรงรฃo da fachada. Os clientes que esperam na fila da Cervejaria Ramiro (do outro lado da rua) que o digam: muitas vezes apontam as cรขmaras dos smartphones para a fachada do 1908.
Mas lรก dentro, nรฃo รฉ caso para guardar o smartphone no bolso. Ainda antes de nos sentarmos ร mesa, vale a apena fotografar para a posteridade a libelinha de Bordallo II que ocupa toda a parede do fundo da zona do bar.
Aliรกs, ainda antes de passar ao restaurante, faรงa uma “estรกgio” aqui e peรงa um dos muitos cocktails de assinatura que o barman tem para oferecer a quem quer preparar a barriga para o que aรญ vem.
E o que aรญ vem, meus amigos, รฉ caso para deixar o estรดmago em festa. Para comeรงo de conversa, รฉ logo trazido para mesa uma caixa de madeira com broa alentejana e papais com cominhos – este รบltimo รฉ algo que apenas estamos acostumados a ver em restaurantes de influรชncia indiana.
Estรก a estranhar esta mistura Alentejo/รndia? Culpa nossa: devรญamos ter dito logo que os pratos da carta do Infame resultam de uma “viagem” do chef Nuno Bandeira pela gastronomia asiรกtica. Mais exemplos? Nem รฉ preciso sair da caixa da entrada: para molhar o pรฃo hรก chutney e uma incrรญvel manteiga de miso.
Mas claro que nรฃo estรกvamos contentes com isto – ok, o pรฃo รฉ bom, a manteiga รฉ melhor, mas falta mais qualquer coisa. Estava na hora de pedir ao Infame para mandar mรบsica ร nossa mesa. ยซA igreja estava toda iluminada…ยป; os acordes nรฃo enganam – era o Trio Odemira que atravessava a sala, vindo da cozinha, para embalar o inรญcio do jantar.
Pelo menos era isto que se passava na nossa cabeรงa. Na verdade, quem estava a chegar (e na mรฃo de um dos empregados) era o Trio Admira 2.0. Foi aqui que comeรงรกvamos a perceber que a ementa era uma lista de trocadilhos; assim, fica difรญcil nรฃo gostar do Infame.
Em vez de mรบsicos e guitarras, em vez de a igreja estar toda iluminada, aterrou na mesa um prato com pica-pau, molho de mostarda antiga e pickles, tรกrtaro de corvina, queijo amanteigado e mais pรฃo: broa de milho, para ser mais exacto.
Eu levantei logo a bandeira branca: ยซRendo-me, rendo-meยป. Exagero, claro. Na verdade, a bandeira (que tambรฉm รฉ o apelido do chef) devia ter sido a dos piratas, pois naquele momento a รบnica coisa que apetecia era assaltar a cozinha e pilhar tudo.
Estava a precisar de acalmar os รขnimos e toda a gente sabe que a comida vegetariana รฉ capaz de fazer milagres com o stress. Pela sugestรฃo da Anne (membro da realeza do Reino Unido ร noite e valente manager de operaรงรตes de dia), mandรกmos vir umas Veggie Pakoras, muitas cenas vegetais fritas com maionese de togarashi.
Nรฃo me lembro de ter ficado mais calmo por aรญ alรฉm, mas nesta altura jรก tรญnhamos uma boa garrafa de vinho a meio, por isso as coisas estavam equilibradas. Traduรงรฃo: estรกvamos prontos para mandar vir os pratos principais.
A fรฃ dos Dalmatas (e da carne) nรฃo resistiu a conhecer a vilรฃ maior das histรณria da Disney. Esta atracรงรฃo pelo lado negro da forรงa sempre me intrigou nas raparigas, mas como estรกvamos no Infame, quem acabou por vir foi a Cruella de Veal, uma costeleta com 800 gramas dry-aged, gema confitada, aioli, batatas e outros legumes assados.
Como a Disney, para mim, รฉ uma coisa mais ligada ร fantasia, decidi-me por o universo Star Wars… oh, wait. Ok, se calhar foi uma mรก escolha de palavras (e de argumento), mas quem รฉ que nรฃo gostaria de jantar com Han Solo. Uma excelente oportunidade para lhe perguntar quem disparou primeiro na cantina de Mos Eisley, em Tatooine.
Acho que os empregados se aproveitaram do facto de a garrafa de vinho jรก ir a um terรงo para tirarem partido da minha distracรงรฃo e trazerem para a mesa uma coisa chamada Ham Solo. Eu li Han Solo, juro. Volto hoje ร ler o menu: รฉ Ham. Nรฃo me lembro de me ter ter sentido traรญdo – o prato era um festim de porco (ham, lรก estรก). Lombinho, pezinhos, migas de enchidos e pipoca de porco, tudo preparado para acabar com a guerra de estrelas que jรก estava a ser o jantar.
Sobremesas? Nรฃo me lembro, sinceramente. ร importante? Nรฃo. Mas depois desta histรณria toda alguรฉm estรก interessado em saber se comemos Baklava, um Copo Almirante (sem glรบten, com tapioca de frutos vermelhos, espuma de coco e lima e granola) e umas Babรกs (com calda de whiskey, diospiros fumados com citrinos, creme de pasteleiro com nata e laranja e amรชndoas tostada). Se calhar comemos uma de cada, o que, recordando os factos รฉ bem possรญvel.
O que รฉ impossรญvel รฉ continuar sem ir a um dos restaurantes mais inteligentes, acolhedores, descontraรญdos e divertidos (why not) da capital. Aproveite depois para acabar a noite mesmo em frente, no ambiente vintage-psicadรฉlico da Casa Independente ou para subir ao Topo Martim Moniz para retomar o bota-abaixo dos cocktails. E no dia seguinte volte a repetir tudo.