E por gladiadores entenda-se as crews que ocuparam o Coliseu de Lisboa numa batalha sonora de inspiraรงรฃo jamaicana, no Red Bull Music Academy Culture Clash, que sagrou a Club Atlas como a grande vencedora.
Basicamente, o despertar de atenรงรฃo para este conceito especial, que se estreou em Portugal neste evento, comeรงou hรก mais de trรชs meses, no NOS Alive. Enquanto esperava por Arcade Fire, reparei num anรบncio que anunciava um Culture Clash entre quatro crews, compostas por alguns dos nomes que mais contribuรญram para a revoluรงรฃo musical portuguesa destes รบltimos dez anos. Tinha tudo para correr bem, nรฃo era? E correu.
Club Atlas, Moullinex Live Machine, Matilha e Batida foram os nomes das crews escolhidas para esta estreia do Culture Clash, que dividiu o espaรงo do Coliseu de Lisboa em quatro palcos. Cabia a Alex D’Alva Teixeira e a Gisela Joรฃo a missรฃo de controlar as massas e explicar as regras do desafio. Partindo da premissa ยซapoia a tua crew, quem manda aqui รฉs tuยป, um sonรณmetro media o apoio do pรบblico no final de cada ronda de actuaรงรตes – ditando, assim, a crew vencedora.
Coube a Branko, Fred Ferreira e Riot, qual santa trindade das mesas de mistura, subir ao palco da crew Club Atlas e comeรงar a mexer. De seguida, entram em palco Kalaf e Carlรฃo – รฉ incrรญvel ver como os anos passam mas a energia e vivacidade de Carlos Nobre continua nos pรญncaros. As rondas de Club Atlas primaram por uma coisa: muita inteligรชncia nas escolhas das ‘malhas’, que oscilavam entre explosรตes de energia e um quรช de revivalismo. Sim, porque houve atรฉ Re-Tratamento, dos Da Weasel, para fazer o pรบblico entoar a plenos pulmรตes todos os versos.
A crew de Moullinex – os senhores que se seguiram – tinha tudo para resultar. Moullinex, Xinobi, Legendary Tigerman e a poderosa Da Chick foram, infelizmente, prejudicados pela qualidade de som na sala. Inicialmente, pensei que se devesse ao meu posicionamento na sala – no final da noite, percebi que havia muitas opiniรตes semelhantes e em diversos lugares da sala… Por vรกrias vezes durante as rondas da Live Machine era perceptรญvel o esforรงo e empenho dos mรบsicos em dar a melhor performance possรญvel – mas o som nรฃo chegava ao pรบblico. As vezes em que era possรญvel acompanhar os temas minimamente aconteciam quando, bem, a mรบsica era familiar e se percebiam pequenos elementos. Uma pena, jรก que a Live Machine teve convidados de peso – mas jรก lรก vamos.
DJ Ride, o lรญder da Matilha, jรก estรก mais do que habituado a eventos da Red Bull – marcou presenรงa na final da competiรงรฃo DJs Red Bull Thre3Style, por exemplo. Acompanhado por Jimmy P e pelo grupo MGDRV, a Matilha podia bem ser exemplo do ditado ยซcรฃo que ladra nรฃo mordeยป. E, por morder, falemos de conseguir arrancar ovaรงรตes no sonรณmetro ou aplausos entre rondas. Nem os recursos a Alright, de Kendrick Lamar, ou a presenรงa de Deejay Telio conseguiram muito mais do que aplausos comedidos. Os MGDRV sรฃo profissionais a acenar bandeiras e a pular entre os cantos do palco – mas nรฃo aconteceu muito mais…
No final da primeira ronda, Batida e companhia mostravam que deviam mesmo ser levados a sรฉrio neste Culture Clash. Batida, Karlon e DJ Satรฉlite trouxeram mais mundos ao Coliseu, alรฉm do afro house, funk e hip hop que jรก tรญnhamos visto naquela noite. Houve recados polรญticos, com fotografias do activistas angolanos que tanta tinta fizeram correr este ano a serem levantadas nas galerias do Coliseu. Mas as rondas de Batida foram bem mais do que isso: momentos de humor, em que Batida discute com Bonga (o Prรณprio Kota!) o que รฉ uma estiga… ou a fazer o pรบblico danรงar ao som de um electrodomรฉstico da marca Moulinex. E, sim, รฉ possรญvel resultar numa mistura muito interessante. Os gรฉmeos Andrรฉ e Gonรงalo Cabral ajudaram a acompanhar as batidas de ritmo africano, em batidas frenรฉticas.
Se houve campo em que todas as equipas venceram foi na escolha dos convidados. Ao longo da promoรงรฃo do Culture Clash, sempre foi explicado que estariam prometidos convidados surpresa. Ao olhar para um canto do palco, descortinei Mike El Nite – que subiria a palco para um regresso ao passado com ‘Tรกs na Boa, dos Da Weasel. Antes disso, jรก Catarina Salinas surgia num cavalo de plรกstico, no palco ‘verdadeiro’ do Coliseu, para entoar Fumo Denso com o seu companheiro de Best Youth. Momentos depois, a incendiรกria Marta Ren ocupava a Live Machine. A fรณrmula jรก tinha resultado no Super Bock Super Rock, durante a Purple Experience, homenagem a Prince; portanto, foi uma feliz recordaรงรฃo no Coliseu.
A Matilha quis representar mesmo o hip hop e recorreu a Capicua, Valete e Dillaz para ocuparem o palco. Regressemos a Club Atlas, que quiseram mais um pouco de mel: Nelson Freitas e Richie Campbell foram os convidados escolhidos pelo colectivo, para a cartada final.
รbvio que resultou: no final da soma de pontuaรงรตes e de todo o barulho, Club Atlas sagrou-se a grande vencedora desta primeira experiรชncia de Cultura Clash – e vai ter de defender o tรญtulo na prรณxima ediรงรฃo. Numa noite sรณ, a reuniรฃo de alguns dos projectos e mรบsicos mais interessantes dos รบltimos dez anos (pelo menos…) em Portugal. Venham os prรณximos Culture Clash, que as cordas vocais jรก recuperaram dos efeitos do sonรณmetro.