WWE Live: o “circo” veio a Lisboa e quem fez a festa foram as crianças

O Campo Pequeno sempre foi um local de romaria em época de Natal. Lembro-me de, em criança, ir às festas das empresas de pais de amigos, onde a arena era transformada em circo. O WWE Live fez-me recordar essas tempos.

Se, há dez ou quinze anos me tivessem convidado para ver um espectáculo da WWE ao vivo acho que ficava ser dormir, com suores frios e com uma leve taquicardia. Já fui um grande fã de luta livre americana, o chamado Wrestling.

Nos anos noventa era espectador assíduo do programa de TV que dava aos Sábados à tarde, antes do Telejornal, na RTP, com narração de António Macedo e o saudoso Tarzan Taborda.

Ficou, na altura, célebre a expressão ‘carne para canhão’, por exemplo, que designava um lutador que era muito fraquinho e estava perante um brutamontes, num combate.

O programa acabou e uns anos mais tarde, já com TV por cabo, havia um canal de filmes antigos que, às sextas-feiras, depois das 20 horas, passava os combates da promoção de luta livre WCW (o Nitro). Mais uma vez, ficava agarrado à televisão para ver Kevin Nash, Hollywood Hogan, Goldberg ou Sting, por exemplo.

A WCW era uma promoção concorrente da WWF, aquela que sempre foi a mais famosa liga de lutadores de wrestling. Contudo, no princípio dos anos 2000, a WCW tinha os maiores nomes do ramo e acabava por ter mais fãs. Mas, os dois anos seguintes seriam marcados por uma enorme mudança.

Em 2001, a WWF viria a comprar a WCW e acabava assim com uma rivalidade de cerca de vinte anos. Um ano mais tarde, em Maio de 2002, e depois de perder um processo em tribunal com o World Wild Fund for Nature (por causa da sigla/marca WWF) no Reino Unido, a World Wretling Federation passava a adoptar a designação World Wrestling Enterntainment: WWE.

O desporto de entretenimento, que se “mascarava” de federação desportiva (World Wrestling Federation) teve de, uma vez por todas, assumir-se como entretenimento e não como desporto puro. Eu, quando era mais novo, pensava que os combates eram mesmo reais. Contudo, a realidade era outra na verdade: tudo não passava de uma encenação, com uma história definida e com uma coreografia bem oleada em cima do ringue.

Não me importei. Passei a ver wrestling como quem vê um filme, uma peça de teatro. Também não é tudo combinado? Também isto não segue uma história? Aqui não há bons e maus, feuds, baby faces e heels? O wrestling da WWE é isto mesmo: cinema em directo, uma dança combinada, espectáculo, luz e som.

E foi isto mesmo que vi ontem, no Campo Pequeno, com o regresso do WWE Live a Portugal, cinco anos depois da última presença. Filas enormes à porta e casa cheia para receber alguns dos principais nomes do rooster do Smackdown.

Entre o público que encheu (quase na totalidade) a arena do Campo Pequeno encontravam-se muitas crianças e jovens – não estava à espera que a WWE ainda fizesse mover público com 8, 9 ou 10 anos, que só tomaram contacto com a febre do wrestling já depois do período áureo dos anos 2006, 2007 e 2008.

O espectáculo, em si, apesar de não ter a dimensão a que estamos habituados a ver nas arenas dos Estados Unidos, na TV, estava bastante bem montado, com um espectáculo de luz e som à condizer. O público parecia que também tinha recebido um guião: gritavam, quase todos ao mesmo tempo, iguais palavras de incentivo (ou de ódio) para cada lutador que ia subindo ao ringue.

«You Suck» ou «This is Awesome» foram dos cânticos mais ouvidos, em paralelo com os nomes dos wrestlers ou o trautear das letras das músicas de entrada dos mesmos. Não há dúvida de que o público fiel da WWE foi uma das razões para este Live ter sido um sucesso.

Apesar de alguns combates terem servido para encher chouriços como o primeiro entre Kevin Owens e Nakamura ou o de tag team entre The Colóns e os Ascension, na globalidade acabou por ser um espectáculo interessante.

Mas também houve entretenimento puro: o combate de triple threat de equipa com os metrossexuais Breezango (alguém os leva a sério?), os The Usos e The Wyatt Family (Erick Rowan e Luke Harpe) foi um autêntico circo, com mais gags de comédia que outra coisa.

O momento alto da noite chegou com o combate entre Rusev e aquele que é, já há algum tempo, um dos maiores nomes do desporto de entretenimento e da WWE, a par de John Cena e The Rock: Triple H.

Hunter Hearst Helmsley tem uma das entradas mais emocionantes e emblemáticas da história da WWE e o público ficou em êxtase quando os primeiros acordes de The Game soaram no Campo Pequeno, com a música dos Motorhead: «Time to play the game / It’s all about the game and how you play it / All about control and if you can take it».

Tudo acabou como seria de esperar, com um fantástico Pedigree em Rusev (o finisher de Triple H) e, depois em Aiden English, o lutador que acompanhou Rusev neste combate e que ficou de fora a apoiar The Bulgarian Brute.

O WWE Live em Portugal contou ainda com um combate entre duas equipas de Divas (três contra quatro num Handicap Match) muito fraquinho, mas que também acabou por puxar por um público que viveu cada momento. Em cima do ringue estiveram,a ssim, duas equipas desequilibradas: Becky Lynch, Charlotte Flair e Naomi contra Lana, Tamina, Carmella e Natalya (Campeã Feminina).

Interessante foi ainda um combate de quatro lutadores, todos-contra-todos (Fatal Four Way), pelo título de campeão dos EUA, que viria a acabar com a vitória de Baron Corbin, que assim manteve o título.

O desfecho não surpreendeu, apesar de o combate ter juntado no ringue Booby Roode (glorious, glorious), Dolph Ziggler e Sami Zayn. É quase impossível um título desta importância mudar de mãos fora dos EUA, e assim de repente só me lembro de um evento do género ter tido este desfecho: um célebre combate pelo título Intercontinental em Milão, Itália, em que o estreante Santino Marella ganhou o cinto a Umaga.

Este autêntico “circo” (e digo isto de forma elogiosa, não pejorativa) acabaria com o main event entre dois dos principais lutadores da actualidade: o heel Jinder Mahal (actual campeão da WWE) enfrentou AJ Styles naquela que seria, à partida, uma disputa pelo título.

Contudo, Jinder Mahal, o primeiro a subir ao ringue e bastante apupado pelo público (como seria de esperar), pegou no microfone e deixou bem claro que não iria colocar o cinturão em jogo. Razão: não havia ninguém que o obrigasse a fazer isso, já que o presidente da Shane McMahon, filho do CEO Vince McMahon, e que tem neste momento o papel de “comissário” da SmackDown Live, não estava presente para ter voto na matéria.

E ainda bem, para o ‘Maharaja’, que assim foi. Mesmo com a interferência dos seus lacaios, os Singh Brothers, foi o preferido do público AJ Styles, que acabou por ganhar o combate e, com uma bandeira de Portugal às costas, terminar um espectáculo que decorreu com precisão suíça.

O WWE Live que mostrou que o movimento de wrestling de entretenimento está vivo e cada vez mais entranhado num público muito jovem que vibra e cujos olhos brilham cada vez que os seus heróis sobem ao ringue.

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NOTA DE REDACÇÃO: artigo actualizado às 11:29 de 13 de Novembro depois de correcções feitas a informações no texto sugeridas pelo elitor Miguel Matos.
Começou no jornalismo de tecnologias em 2005 e tem interesse especial por gadgets com ecrã táctil e praias selvagens do Alentejo. É editor do site Trendy e faz regularmente viagens pelo País em busca dos melhores spots para fazer surf. Pode falar com ele pelo e-mail [email protected].