Temos de falar sobre a nova hamburgueria do Ibis Alfragide…

Os hotéis Ibis podem ser conhecidos por muita coisa, mas não é, decididamente, pelos seus conceitos gastronómicos. E as novidades que ficámos a conhecer não ajudam a virar o disco.

Vamo-nos por no papel de um gerente de hotel. Se tivéssemos, em Portugal, de inaugurar um novo conceito de restauração, o que escolhíamos? Claro, ingredientes nacionais, esta parece-nos óbvia. Mas apresentá-los sob que forma?

A ‘chapa 5’, a zona de conforto, a decisão segura também não é difícil de encontrar: ora vamos lá transformar isto numa hamburgueria. Foi a esta conclusão que chegou o Ibis, depois de fazer alguns estudos de mercado sobre aquilo que os seus clientes procuravam. Isto, segundo o departamento de marketing do Ibis.

Esta situação faz-nos lembrar a afirmação, que se transformou em mito urbano, de Henry Ford, quando questionado sobre a razão que o tinha levado a fazer automóveis: «Se tivesse perguntado às pessoas o que elas queriam, teriam-me dito ‘cavalos mais rápidos’».

Portanto, se o povo quer, o Ibis entra no jogo e se são hamburgúeres, hamburgúeres sejam. O resultado é a criação de uma cozinha estilo showcooking quase no meio do átrio do Ibis Alfragide onde se fazem três tipos deste prato, onde nem os ingredientes surpreendem.

Ainda antes de lá irmos, outro mistério: porquê o Ibis de Alfragide, talvez, com o Ibis da A5, o mais remoto hotel Ibis de Lisboa. Mais uma vez, o marketing tem a resposta: em frente fica o parque de campismo de Monsanto e na zona existem várias empresas para fazer o modelo de negócio funcionar.

Isto, para não falar, claro, nos hóspedes estrangeiros que deverão consumir como se não houvesse amanhã esta típica iguaria portuguesa. Aqui, perguntamo-nos: serão os turistas assim tão limitados, em termos de exigências, nas suas refeições?

Se estivesse num parque de campismo atravessava a rua para comer um hamburguer perfeitamente banal a 9 euros? Reminder: a cinco minutos tem o Alegro recheadinho de restaurantes e as “belas” refeições realmente budget do Ikea, com vinte vezes mais variedade que as propostas do Ibis.

Isto traz-nos de volta, agora sim, aos ingredientes: com base na ridícula denominação ‘tuga’ (cujo prazo de validade acabou há uns dez anos, além de ser, lembre-se, uma expressão pejorativa a recordar tempos da guerra colonial) há três versões de hambúrguer.

Tuga Queijo, Tuga Ananás e Tuga Bacon, que o Ibis se orgulha de apresentar como tendo ingredientes 100% portugueses. Ananás, bacon, queijo cheddar… já está a ver onde entre Portugal aqui, certo? Pois, nós também não.

É verdade: os ingredientes podem todos ter origem 100% portuguesa, o que também não é difícil – mas será que quando pensamos num ‘hambúrguer português’ é destes ingredientes que nos lembramos? O marketing do Ibis lembra que este conceito tem de ser simples e também agradar aos estrangeiros, mas será que não se arranjava nada de verdadeiramente típico português para ter como ingrediente?

A nossa gastronomia é tão rica e tão variada que apetece perguntar por que razão é que o queijo não é o da Ilha ou o da Serra? E porque não um hambúrguer de carne de porco alentejano com farinheira? Ou, indo um pouco mais longe, um de pato com uma rodela de laranja em vez do clássico tomate?

Por que é que o Ibis diz que a sua cozinha inova quando o que nos faz é oferecer mais do mesmo e com opções bastante limitadas, a um preço no mínimo exagerado e apenas com o claim de que o cliente pode fazer o seu hambúrguer com os ingredientes que quiser (quatro por cada um)?

Ibis Kitchen

O marketing do Ibis diz que o conceito faz sentido e que tem tido boa aceitação por parte dos clientes. Há um ponto assente: o hambúrguer é bom, são 170 gramas de carne de bovino e o molho barbecue e o queijo Castelões não comprometem (provámos a versão Tuga Queijo), mas isto não faz com que a proposta do Ibis seja algo de inovador ou diferenciável do que já existe no mercado.

É um hambúrguer normal, banal, que não vale, nem de perto, nem de longe, nove euros. Mesmo que aqui se juntem batatas rústicas, maionese de ervas ou bolo do caco, sem que isso agrave o já inflaccionado preço. Mais uma vez, o marketing do Ibis recorre à cartilha: são preços normais num hotel, a qualidade obriga também a subir o preço.

Curioso: isto vem de um grupo (Accor) que há uns meses abria o restaurante A Bicicleta no Novotel de Lisboa, com o argumento de que queria democratizar os restaurantes de hotel e afastar o estigma de ‘restaurante de hotel’. Oh, a ironia…

Se estiver interessado em experimentar este “novo” conceito do Ibis, sou o primeiro a dizer para que o faça já hoje. Não porque é extraordinariamente bom, mas porque deve ver (e provar) por si próprio e não ficar enviesado por esta crítica.

As opções disponíveis, além do Tuga Queijo de que já falámos, são o Tuga Ananás (pão de hambúrguer, alface, tomate, cebola caramelizada e ananás) e o Tuga Bacon (bolo do caco, bacon, tomate, rúcula e queijo cheddar).

Pode jantar (19 às 22:30) ou almoçar (12:30 às 15) no restaurante i-Burguer (nem o nome se safa, rementendo logo para os ‘i’ da Apple, que nada tem que ver com restauração) num espaço que tem, e agora atente-se na descrição do próprio hotel «decoração que alia o estilo industrial, com grandes candeeiros metálicos, a elementos vintage e retro, sem esquecer a inspiração das hamburguerias dos anos 60 com uma juke box e discos vinis espalhados pelo restaurante».

Ou seja, um estilo Fifties meets Hamburgueria do Bairro meets Honorato, meets todos os clichés de todas as hamburguerias que abriram até hoje em Portugal. Pelo menos, aqui temos de dar a mão à palmatória: de uma só vez visitamos todas os restaurantes do género em Lisboa.

BÓNUS: o i-Burger deve ser o único restaurante no mundo onde todas as críticas feitas no Zomato são de 5 estrelas. Por momentos, achamos que este restaurante fica no Entroncamento e não em Alfragide. Mais estranho é que, das 19 críticas, 17 foram feitas por pessoas que, em um ano, só escreveram uma opinião: precisamente a do Ibis. Palavras para quê?

Começou no jornalismo de tecnologias em 2005 e tem interesse especial por gadgets com ecrã táctil e praias selvagens do Alentejo. É editor do site Trendy e faz regularmente viagens pelo País em busca dos melhores spots para fazer surf. Pode falar com ele pelo e-mail [email protected].