NOS Alive em português: os Macacos são do Chinês, a Mallina é do Algarve e a Capicua é de todos nós

Fica no ar a pergunta óbvia: por que é que os Macacos do Chinês demoraram tanto a regressar?

©TRENDY Report | Macacos do Chinês
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Desta vez com foco no palco Clubbing, vimos o grande regresso de uma das bandas de culto da sonoridade urbana dos subúrbios de Lisboa.

DESTAQUE DO DIA: MACACOS DO CHINÊS

Da banda nascida na Amadora, em 2007, saiu um dos hinos da geração dos anos noventa: ‘Rolling na Reboleira’. Quase vinte anos depois deste tema, Alx (Alexandre Talhinhas), Apache (André Pinheiro), Skillaz (Miguel Pité) e Tiago Morna (agora acompanhados por um novo MC, Pedro Silva) regressaram aos palcos e logo no NOS Alive.

O momento acontece dias depois de terem editado o EP ‘MDC Live Sessions’ com cinco temas (todos fizeram parte do alinhamento deste concerto). Este comeback dos Macacos do Chinês foi um espectáculo além da nostalgia. Assumiu-se como um manifesto de actualidade feito com o ADN de sempre: beats pesados, passeios pelos subúrbios e rimas afiadas, entre o hip-hop e a guitarra portuguesa de Tiago Morna. Afinal, esta sonoridade ‘ainda batia’.

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A abertura foi com ‘Sinestésico’, só com a voz de Skillaz ‘Plutão‘ (Ouve só / vocês não estão habituados / a batidas como estas / ficam mal habituados) o tema que os deu a conhecer, seria quase inevitável – como um grito de guerra para uma geração que cresceu a ouvir dubstep nos parques da Amadora.

Mesmo com a cidade (e o mundo) em mutação, a banda não parece diferente – até porque o que cantava há na viragem da primeira década parece tão ou mais actual. Continua a fazer sentido moldar a sonoridade urbana com dubstep cru, misturas com trap, drill e electrónica global. Tudo isto continua a dar corpo à flexibilidade criativa que sempre caracterizou os Macacos do Chinês.

Em ‘Pessoa’, um tema que mistura a irreverência lírica com uma homenagem ao poeta, o público reagiu ao pedido de Skillaz e chegou-se à frente para formar uma verdadeira “cama” de palmas que acabou por durar até ao final. A viagem continuou por ‘Selva’, onde se ouviu: ‘Quando a selva é pequena de mais / para os animais’ ou ‘quando o ego é grande demais / é que nos tornamos rivais’. Foram críticas afiadas, servidas com groove e ironia.

TRENDY Report | Macacos do Chinês
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Mas foi com ‘Saudade’ que a nostalgia subiu de nível: ‘Tu não vês, tu não vês / que a saudade existe mais em português’, com referências tão nacionais como Pintarolas e mochilas Monte Campo. ‘Tenho saudades do meu futuro’, disse, ainda, Skillaz. Contudo, o momento maior acabou por ser o solo-surpresa de Tiago Morna na guitarra portuguesa, logo antes de o refrão ser entoado em uníssono pelo pouco, mas bom, público.

Seguiu-se uma pergunta retórica com sotaque suburbano: «Conhecem a Amadora, a Reboleira acabou mesmo?» [sim, a nova freguesia, criada há uns anos, é Águas-Livres, onde também se junta a Damaia], lançada antes do inevitável ‘Rolling in Reboleira’, o tema mais conhecido do grupo. O final chegou com ‘A Última Volta do Traço’ e uma estranha sensação de reencontro com algo que nunca chegou a desaparecer.

Fica no ar a pergunta óbvia: por que é que os Macacos do Chinês demoraram tanto a regressar? As letras que parecem ter sido escritas há uns meses e não há uns anos; a sonoridade continua fresca, vibrante e actual. Talvez a banda seja como a saudade — só existem mesmo em português. E quando voltam, não é só um concerto. É memória e futuro em loop.

TAMBÉM VIMOS: MALLINA

«Sou uma artista emergente e estou muito feliz de estar aqui hoje. Este concerto é uma viagem entre os meus dois EP» [‘Espelho’ e ‘INA’], disse antes de arrancar com ‘Inalcansável’, uma espécie de declaração de intenções: Mallina ‘Deixei a tragédia pro dramaturgo / e se isto for um filme toma uma atitude / foca o plano, faz close-up / e vem até mim!’.

Num cenário íntimo e emotivo, o concerto de Mallina no Palco Coreto foi, assim, uma viagem pelo imaginário sonoro da cantora algarvia, que traz muitas memórias e experiências «tristes, mas dançáveis» na voz, como fez questão de avisar quando cantou ‘Nas Tuas Mãos’. «Gostei de ver essa libertação de raiva, soube bem», desabafou.

©TRENDY Report | Mallina
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Entre os temas, Mallina apresentava-se mais um pouco, sempre com um tema que ilustrava a sua personalidade: «Quem me mata e regenera enquanto artista sou eu e não as opiniões dos outros», disse antes de se sentar em palco para cantar ‘Inacabada’, no momento mais intimista e pessoal do concerto: ‘E se a minha luz se apaga / vou moça inacabada / nascer de quem me mata / a bala vem cravada’.

Mais para o fim, ficou reservado um momento que acabou por ser inesperado: «Vou fazer uma cover de uma banda de mulheres que eu admiro muito, vamos ver se adivinham». Foi um final de concerto ‘Bem Bom’, numa versão lo-fi surpreendente do tema das Doce, despida de qualquer sonoridade dos anos oitenta.

E TERMINÁMOS COM: CAPICUA

Capicua subiu ao palco Clubbing com uma mensagem a brilhar em néon: ‘Um Gelado Antes do Fim do Mundo’, o novo disco de Capicua que não é apenas música; é um manifesto e uma crónica da sociedade.

Dez anos depois de ter estado no NOS Alive, a rapper do Porto regressou com a energia de sempre. «Aqui me têm! Vamos passear por vários discos, mas estamos aqui para comer um Gelado Antes do Fim do Mundo», disse com a sua habitual confiança de combate. A abertura foi com ‘Chiaroscuro’, um tema de tom irónico e versos certeiros: ‘Que se foda a finitude / desde que haja dados ilimitados’. Esta sátira digital serviu de rampa para um concerto com muitos momentos de alerta social.

Em ‘Medo do Medo’, Capicua mostrou-nos o espelho da actualidade e devolveu ao público um retrato sem filtros: precariedade, medo, angústia. Com ‘Souvenir’, este activismo ganhou ainda mais músculo: ‘Somos os fantasmas da cidade sem memória / ficamos com o lixo dos hotéis de cinco estrelas’.

©TRENDY Report | Capicua
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Mas a noite de Capicua em Algés também teve momentos de ternura e regresso às raízes. ‘Circunvalação’ chegou como quem abre uma gaveta de memórias; uma carta de amor à Cidade Invicta, que já se tornou património emocional da sua discografia. Logo a seguir, ‘Vayorken’ abriu-nos a já conhecida janela para a infância da Ana (era assim que dizia “Nova Iorque”), que lhe valeu uma ovação contínua de quase um minuto. O momento viria a repetir-se com ‘Meia Romã’, o seu tema mais recente.

‘Madrepérola’ e ‘Gaudi’ fizeram a ponte até ‘Ao Ocaso’, aqui sem a companhia de Toty Sa’Med. Já perto do final, Capicua ofereceu ao público a sua versão ‘Que Força é Essa, Amiga’, uma reinvenção do tema de Sérgio Godinho (Os Sobreviventes, 1971), criada para os cinquenta anos do 25 de Abril – um hino às mulheres e à resistência, que acabou por funcionar como um abraço colectivo.

©TRENDY Report | Capicua
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A fechar, Capicua criou um momento épico com ‘Madrepérola’, com o público a devolver ‘Faz Pérola’, a pedido da rapper portuense, já a morder os calcanhares aos Justice, que já se fazia ouvir ao longe, no palco principal. Este foi um concerto que teve tudo: activismo e afecto, crítica e compaixão, memória e esperança: foi Um Gelado Antes do Fim do Mundo… e talvez também depois.

Começou no jornalismo de tecnologias em 2005 e tem interesse especial por gadgets com ecrã táctil e praias selvagens do Alentejo. É editor do site Trendy e faz regularmente viagens pelo País em busca dos melhores spots para fazer surf. Pode falar com ele pelo e-mail [email protected].