Há muito tempo que se começam muitos artigos, programas de TV e discussão entre profissionais, ou amigos, com uma frase deste tipo: «Há um novo estudo que diz…». Mas, na verdade, o que quer isto dizer?
Aqui, faço uma espécie de desabafo sobre a diferença entre os estudos que representam veracidade (e têm algum valor) e os estudos que não têm qualquer valor científico, que são tendenciosos, que escondem conflitos de interesses e que são manipulados, seja pela forma como são feitos ou como são retiradas as interpretações e conclusões.
Alguns de nós ainda se recordam de aprender na escola o ‘método científico’, que é descrito mais ou menos assim: primeiro, existe a percepção de um problema a ser entendido ou resolvido; depois, após um pensamento lógico, formula-se uma hipótese.
Seguidamente, fazem-se experimentações de forma o mais controladas possível de modo a que a única variável seja aquilo que se pretende estudar – o objectivo é provar que a hipótese está errada e não o contrário.
A não ser possível provar que a hipótese está errada, em experiências que têm a particularidade de poder ser reproduzidas nas mesmas circunstâncias, estamos, finalmente, numa conclusão que pode ser considerada como uma ‘verdade científica’.
A diferença entre estudos científicos e epidemiológicos
O professor Archibald Cochrane foi um dos criadores do conceito ‘evidence based medicine’ que utiliza, precisamente, o método científico para validar informação. Ora, a maioria dos estudos apresentados hoje em dia não seguem este tipo de método.
Quando ouvimos a típica frase «Há um novo estudo que diz…» ou «Um estudo recente diz que…», estamos, na maioria das vezes, a falar de estudos epidemiológicos, estudos que se baseiam em fazer perguntas a um universo de pessoas, sobre um determinado objecto de estudo.
Estas perguntas são repetidas, por vezes, num follow up de vários anos, não tendo, na maioria das vezes, a quantidade de factores variáveis em conta, além do objecto do estudo.
Isto acaba por retirar qualquer validade científica ao estudo em questão – os estudos epidemiológicos têm, na minha opinião, alguma utilidade em ajudar a determinar a “hipótese” de uma experiência científica, mas não são, por si só, determinantes.
Os perigos das perguntas que induzem uma escolha específica
Estes estudos são também os mais fáceis de fazer e de manipular, uma vez que não podem estabelecer causalidade, mas sim correlação.
Dou um exemplo disto: no Verão aumenta o consumo de gelados e as vendas de calções. Uma conclusão manipulada deste estudo iria dizer: ‘existe uma forte relação entre o consumo de gelados e o uso de calções’. Isto não constitui uma verdade científica, nem demonstra causalidade.
Outra forma de manipular estudos é fazer perguntas de que que as pessoas não sabem a resposta e induzir a uma escolha específica, como «Quantos quilos de açúcar comeu durante o ano passado? 5 kg, 60 kg ou 90 kg?». A resposta tende sempre a ser a primeira, neste caso, em contraste com o exagero das outras hipóteses de possíveis.
Manuplar estudos epidemiológicos com truques estatísticos
A terceira forma comum de manipular um estudo epidemiológico é pela via da utilização de truques estatísticos, por exemplo, um estudo sobre o resultado positivo ou não da utilização do fármaco ‘Z’. Aqui, mil pessoas tomam o fármaco ‘Z’ e outras mil tomam o placebo ‘X’.
Faz se um follow up de quinze anos e, no fim deste período, conclui-se que três pessoas que tomaram o fármaco ‘Z’ e duas que tomaram o placebo X tiveram benefício.
Depois, multiplicam-se as mil pessoas pelos quinze anos, o que dá quinze mil pessoas por ano, de modo a tornar a comparação de resultados “relativos” mais significativa e dar ideia de um resultado melhor que o verificado nos valores absolutos.
O que, no caso ‘Z’ dá um resultado relativo de 000,2 (dividindo o resultado absoluto de 3 por 15 000 ) e, no caso ‘X’, de 000,1 (dividindo o resultado absoluto de 2 por 15 000), é depois descrito na conclusão da seguinte forma: o fármaco ‘Z’ teve duas vezes mais sucesso que o do grupo de controlo, porque 000,2/000,1 é igual a 2, bastando para isso dizer que o resultado foi “ajustado”. Contudo, o resultado absoluto é de 3 em 1000 vs. de 2 em 1000, o que não tem valor significativo.
Assim sendo, o valor prático de um estudo destes é nulo e não apresenta qualquer causa – efeito, considerando que este tipo de estudo não é controlado – só o objecto de estudo é que é a variável, mantendo-se tudo o resto constante.
Meta-análises e estudos clínicos controlados
Agora vamos às meta-análises, que são considerados os elementos mais representativas de uma tendência, uma vez que fazem uma média entre vários estudos sobre um mesmo assunto.
Aqui, a forma de manipular será mais difícil e menos provável; porém, a conclusão de uma meta-análise poderá ser influenciada pelo “peso” de alguns estudos que dela façam parte e que criam uma tendência de resultado.
Finalmente, temos os estudos clínicos controlados cruzados e randomizados. Estes podem criar a ideia de causa-efeito, uma vez que utilizam dois ou mais grupos. Todas as condições são controladas, excepto o objecto de estudo, e os grupos podem ser cruzados para fazer diminuir o efeito de individualidade dos observados.
Neste caso, as conclusões são científicas (embora apenas no intervalo de tempo reduzido, no qual é permitido fazer este tipo de estudo), ficando a dúvida sobre o que aconteceria caso o tempo de observação fosse alargado, porque estudos controlados por tempo prolongado são considerados anti-éticos.
Estudos não baseados em evidências manipulam a opinião
Em conclusão: um estudo feito por cientistas pode, ou não, ser feito de forma científica; já um estudo publicado num jornal, revista, livro ou plataforma científica não significa verdade científica por si só.
Os estudos realmente científicos criam afirmações e os estudos que não são baseados em evidência criam apenas suposições; fazer afirmações baseadas neles é pura manipulação de opinião.
Este artigo teve apenas o intuito de esclarecer os leitores sobre o facto de poder existir uma grande diferença entre a verdade dos factos e a forma como certas informações são representadas e interpretadas.