Contar calorias: isto pode ser errado e estar a impedir a perda de peso, mesmo com alimentação equilibrada

Contar Calorias Pode ser Errado
Contar Calorias Pode ser Errado

Desde que existem seres vivos no planeta Terra que nunca se viu nenhum animal ou planta contar calorias. E também nunca se viu qualquer animal selvagem obeso por comer demasiadas calorias. Afinal, de onde veio esta moda?

Apenas os humanos têm esta coisa de ‘contar calorias’ e desde, que começámos a fazer isso, estamos cada vez mais gordos – porque será? Desde logo, é preciso dizer que não existe, na fisiologia humana, um receptor de calorias (as calorias são uma unidade de calor “emprestada” da física e aplicada à biologia).

O que existe são receptores de nutrientes e uma resposta fisiológica aos nutrientes. Ora, traduzir tudo em calorias é uma forma muito redutora de descrever as milhares de reacções químicas que se dão no nosso sistema, ao introduzir nutrientes no nosso corpo.

Está sempre a ‘contar calorias’? Não é assim tão simples…

A teoria das calorias (calories in, calories out) tem um erro muito grande: considerar que as calorias que gastamos são um número constante, o que não é verdade, ou seja, podemos contar quantas calorias ingerimos, mas não podemos nunca saber quantas utilizamos.

Isso depende de várias circunstâncias: do nosso metabolismo (quantas calorias gastamos por dia/semana/mês) no momento, que é relativamente variável, se fizemos, ou não, exercício (e com que volume e/ou intensidade), se dormimos bem nesse dia, se discutimos com a namorada, entre outras coisas.

As calorias que gastamos também depende de quantas estamos a acumular, ou a utilizar, de forma mais ou menos eficaz. Isto também depende muito do tipo de calorias que ingerimos, em primeiro lugar (leia-se ‘nutrientes’), uma vez que a resposta fisiológica à ingestão de nutrientes é diferente consoante o caso, variando a resposta enzimática, os transportadores ou as hormonas.

Pequenos jejuns são mais benéficos que estar sempre a comer

Por falar em hormonas, são elas que têm uma resposta prática à ingestão de nutrientes (independente das calorias) e que podem responder, considerando um alimento como saciante ou não-saciante, energético ou não-energético, prazeroso ou não-prazeroso (dopamina), para gastar, construir ou acumular.

Quando comemos comida saudável e verdadeira nas proporções certas (como um animal selvagem) e nos abstemos de comer a toda a hora (pequenos jejuns que surgem naturalmente como resposta a uma alimentação adequada), o nosso corpo auto-regula a fome, gasto, construção e acumulação de nutrientes.

Ou seja, se comemos mais alimentos do grupo das coisas certas temos, naturalmente, fome mais tarde; se comermos bem, menos teremos fome mais cedo e é por isso que os animais selvagens não têm obesidade e não contam calorias.

Os humanos foram levados a contar calorias pela chegada da industrialização da comida (que deixou de o ser verdadeira ‘comida’). Os alimentos começaram a dar sinais não naturais à nossa fisiologia – daí trocarmos saciedade por prazer, nutrição por calorias, e níveis estáveis de açúcar no sangue por montanhas russas de insulina e açúcar plasmático.

A culpa é dos maus produtos, mas a ‘teoria das calorias’ transfere a culpa para os indivíduos – a ‘engenharia alimentar’ usada pela indústria transfere a responsabilidade para pessoas, por não controlar calorias. Ao contrário disso, cria produtos alimentares o menos saciantes possível e mais viciantes e prazerosos que possam ser.

‘Corte de calorias’ pode levar ao bloqueio da perda de peso

Por isso, fico quase “ofendido” quando alguém diz que o segredo do emagrecimento é contar calorias. Eu, que ando há oito anos a estudar nutrição, fisiologia e biologia molecular, pergunto-me: «Afinal, era apenas preciso fazer isso?»

Vou dar um exemplo: a uma pessoa que tem resistência à insulina (por hiperinsulinismo) é-lhe proposto trocar o pão (mais calorias) por bolachas de arroz (menos calorias). No entanto, a resposta de insulina destas é muito maior que a do pão. Ou seja, retiramos calorias, mas podemos estar a agravar o problema, uma vez que aumentamos exatamente aquilo que queremos diminuir.

Não é assim tão simples pois não? O corte constante de calorias pode levar a uma redução, por consequência, do próprio metabolismo basal e em alguns casos um aumento exagerado do stress (cortisol). Por sua vez, isto pode bloquear a perda de peso, mesmo numa situação de défice calórico.

Deixo ao critério dos leitores a interpretação desta informação fechando com uma reflexão: raramente, contar calorias dá bons resultados a longo prazo, porém a fisiologia tem sempre razão. Mas é bem mais complicada de ler e medir que as calorias.

César Ponce é licenciado em ciências da comunicação marketing e publicidade e relações públicas e há 25 anos que está no mundo do fitness. É personal trainer e tem várias formações em nutrição e treino funcional, CrossFit, análises clínicas e preparação de atletas. Quando não está no ginásio, é surfista amador nas praias do Algarve. @ponce_naturals_coaching | E-Mail