O novo mergulho de (El) Mar do chef Kiko vem com simplicidade e conforto: «Podemos comer estes pratos todos os dias»

Nesta (curta) conversa houve tempo para falar sobre conceitos gastronómicos, tradição e inovação, e o papel da tecnologia no futuro da restauração.

©TRENDY Report | Chef Kiko
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O El Mar é a mais recente aposta de Kiko Martins. Em entrevista ao TRENDY Report, o chef diz querer criar «pratos saborosos, com pequenos toques de inovação», mas que se possam «comer todos os dias».

No final de Maio, o Poke deu lugar ao El Mar, o novo “mergulho” gastronómico do chef no espaço Gourmet Experience do El Corte Inglés, em Lisboa. Este restaurante dedicado ao peixe e ao marisco junta conforto, sabor e um «toque de sofisticação num ambiente descontraído que não parece estar dentro de um centro comercial», lembra Kiko Martins.

Foi neste cenário, de balcão corrido com vista para uma sala que foi enchendo à medida que o final de tarde passava a noite, que nos sentámos com o chef Kiko. Nesta (curta) conversa houve tempo para falar sobre conceitos gastronómicos, tradição e inovação, e o papel da tecnologia no futuro da restauração.

Entre pedidos aos empregados e a chegada de pratos à mesa, alguns finalizados pelo próprio chef, como os Ovos Rotos com Camarão e Linguiça BT Basca (foto em baixo), falámos do mar, dos desafios de criar um restaurante em tempo recorde e, até, de…inteligência artificial.

©TRENDY Report | Chef Kiko
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TRENDY Report (TR): Nos últimos anos, assistimos à banalização de certos conceitos gastronómicos. Sentiste isso também em relação ao Poke, o anterior espaço que tinhas aqui?
Chef Kiko: Quando o Poke apareceu, há uns nove anos, não havia praticamente nenhum em Lisboa. Era algo novo, com alguma sofisticação. Lembro-me de termos um poke com carabineiro, vieiras, atum de alta qualidade… era um prato com bons ingredientes.

Mas, com o tempo, banalizou-se. Hoje em dia, encontras um Poke em cada rua, muitas vezes com produtos de baixa qualidade, muito arroz e quase nenhuma guarnição.

Gostas de desenvolver conceitos diferenciadores e o mar parece ser a mais forte e recente inspiração para fazeres isso…
Sim, cada vez mais. Tenho O Talho, que é mais ligado às carnes, e foi o primeiro. Mas agora quero associar-me mais ao mar. Não falo de pratos com criatividade extrema, mas de pratos saborosos, de conforto, que se podem comer todos os dias.

São democráticos. Num ambiente giro, com sabor. Podes pegar num robalo, num bacalhau, numa dourada… no El Mar, por exemplo, temos uma cataplana tradicional portuguesa, muito rica, com corvina, conquilhas e camarão.

Apesar de manteres a tradição, gostas sempre de dar um toque de mundo aos teus pratos?
Claro. Todos os meus projectos têm esse toque: o Las Dos Manos é México e Japão, o Boteco é Brasil… gosto sempre de trazer esse lado mais global. E, para fazer gastronomia tradicional portuguesa pura, há pessoas muito mais competentes do que eu. Eu procuro essa simplicidade com um pequeno twist.

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©TRENDY Report | O El Mar tem uma sala com quase trinta lugares e uma decoração inspirada em elementos marítimos. A cozinha é aberta e podemos comer ao balcão.

Achas que a tua cozinha evoluiu para algo mais simples ao longo do tempo? Ainda sentes que arriscas ou achas que, agora, jogas mais pelo seguro?
Sim, sem dúvida. Ao longo da minha vida, fui complicando muito os pratos, a fazer demasiadas coisas. Hoje em dia, tento simplificar. Acho que ainda arrisco, mas é um risco mais ligado ao sabor. Não estou a inventar um conceito mirabolante. O risco está em manter a autenticidade e, ao mesmo tempo, inovar subtilmente.

Como foi o processo de criação do espaço onde estamos agora?
Foi intenso. Três semanas de obras muito puxadas, a fazer obras só durante a noite. Mudámos tudo: canalização, electricidade, exaustão, saneamento… nunca tinha feito nada tão rápido. Mas sabíamos o que queríamos, fazer tudo em tempo recorde e a verdade é que conseguimos.

Sobre os actuais desafios da restauração: que papel vês para a tecnologia neste futuro, em concreto da IA?
Vivemos tempos imprevisíveis, em todos os sectores. A inteligência artificial, por exemplo, veio para ficar. Na altura do Web Summit, pediram-me para dar uma palestra com o Henrique Sá Pessoa, sobre a IA.

Uma semana antes, instalei a app do ChatGPT no telemóvel e fiz a pergunta: «Que menu fariam o chef Kiko e o chef Henrique se tivessem de cozinhar para vinte pessoas amanhã?» A resposta foi impressionante, ficámos estupidificados. Começava com um ceviche por causa de minha influência e depois o leitão crocante do Alma, tudo sem lhe darmos indicações específicas. Mas tenho muito medo da perda de criatividade e da homogeneização que isso vai trazer.

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©TRENDY Report | O El Dog, um cachorro quente com camarão, é um dos pratos-estrela deste restaurante.

Recentemente, a Samsung criou um restaurante pop-up com IA em que fotografavas ingredientes e depois o smartphone gerava uma receita, que era feita pelos chefs. Vês isto a acontecer mais a sério?
Eu estou a ver que tudo pode acontecer. Nunca a humanidade enfrentou desafios tão únicos como está a acontecer agora. Eu tenho tecnologia nos meus restaurantes há muitos anos: todos os pratos são feitos de acordo com uma ficha técnica.

Vamos imaginar um ceviche: são 110 gramas de corvina filetada, leche de tigre, batata doce, algas cebola roxa e malagueta. Quando é vendida uma unidade destas, entra numa baixa em stock que vai espoletar uma encomenda. Já há muitos automatismos.

Começou no jornalismo de tecnologias em 2005 e tem interesse especial por gadgets com ecrã táctil e praias selvagens do Alentejo. É editor do site Trendy e faz regularmente viagens pelo País em busca dos melhores spots para fazer surf. Pode falar com ele pelo e-mail [email protected].