Vilar de Mouros chegou ao fim. A edição de 2024 ficou marcada pelas grandes flutuações de entusiasmo: desde a energia vibrante de bandas como Die Antwoord e Delfins até à nostalgia melancólica dos Ornatos Violeta e à apatia geral nos Amália, Hoje e The Libertines.
Apesar de um alinhamento repleto de nomes sonantes, o festival foi afectado pela falta de público, uma tendência que persistiu até ao último concerto. O fantasma do cancelamento dos The Queens of the Stone Age andou sempre a pairar em Vilar de Mouros – nunca iremos saber se, com a presença da banda, poderia ter havida aquela enchente de que este festival precisava, este ano.
A organização anunciou 55 mil espectadores em quatro dias, o que dá menos 25 mil que em 2023 (70 mil) o que explica as vastas clareiras no recinto (e mesmo mais na zona em frente ao palco), inclusive durante as actuações dos cabeças de cartaz, deixaram a nu as dificuldades de Vilar de Mouros em atrair uma multidão consistente.
Uma despedida com a armada inglesa The The The
O quarto e último dia foi protagonizado por um trio britânico de peso (as três bandas começam por ‘The’) que, infelizmente, não conseguiu aquele grande momento de encerramento que um festival merece. Com concertos marcados pela falta de dinamismo, o dia acabou por ser um reflexo das frustrações de uma edição que prometia muito, mas que, por várias razões, não conseguiu concretizar todo o seu potencial.
The Waterboys abriram o desfile das bandas britânicas, direcionando o seu concerto para uma faixa etária mais madura. O público encaixou bem a nostalgia que a banda trouxe ao palco, com “The Whole of the Moon” (This Is the Sea, 1985) a destacar-se como o ponto alto da actuação, como era óbvio.
No entanto, o entusiasmo foi contido, e as grandes reacções ficaram na gaveta. De lá nunca devia ter saída a ridícula confusão do vocalista Mike Scott que confundiu sempre Vilar de Mouros com… Vilamoura.
O concerto de The Libertines é daqueles que fica na prateleira dos que nunca irão ser recordados pelas melhores razões: foi, para sermos simpáticos, morno e nunca aqueceu verdadeiramente a noite mais fria (literalmente, com 16 graus) do festival.
Pete Doherty, num registo distante e sem a habitual energia, parecia incapaz de contagiar o público, que também não demonstrou grande envolvimento – nem mesmo o solo de guitarra inicial conseguiu quebrar a apatia geral.
Um dos momentos mais peculiares foi a dedicatória da música “Up the Bracket” (Up the Bracket, 2002) a Clarice Lispector, Fernando Pessoa e Eusébio, um gesto que, apesar de curioso, não conseguiu salvar um concerto que se arrastou até ao fim.
The Darkness, a última banda da noite e do festival, conseguiu finalmente injectar alguma energia no recinto. Com Justin Hawkins a liderar com a sua habitual teatralidade, o público voltou a sentir-se vivo ao som de “One Way Ticket to Hell and Back” (One Way Ticket to Hell… and Back, 2005) e “I Believe in a Thing Called Love” (Permission to Land, 2003), que naturalmente foi o tema mais celebrado.
A actuação terminou com uma espécie de jam session de improviso vibrante, destacando-se o trabalho de guitarra de Hawkins, mas sem direito a encore (algo nunca visto nos concertos finais, neste Vilar de Mouros), deixando o público com uma sensação agridoce.
David Fonseca: uma conquista progressiva para um concerto sem falhas
Antes do desfile britânico, David Fonseca subiu ao palco para um início que parecia destinado ao fracasso, com muito pouco público presente. Contudo, à medida que o concerto avançava, o músico português foi conquistando mais “acólitos”, transformando uma plateia dispersa numa audiência dedicada.
O espectáculo começou com “Superstars” (Dreams in Colour, 2007) e contou com várias interacções entre Fonseca e o público, que foram ganhando intensidade. “Someone That Cannot Love” (Sing Me Something New, 2003) marcou uma viagem ao passado, enquanto “Kiss Me, Oh Kiss Me” (Between Waves, 2010) trouxe um dos momentos mais românticos da noite.
A única música em português, “Futuro Eu” (Futuro Eu, 2015), foi misturada com uma cover extensa de “Running Up That Hill” de Kate Bush, num dos momentos mais memoráveis do concerto, com quase dez minutos de duração.
David Fonseca não deixou de homenagear António Variações com “O Corpo É Que Paga” (Humanos, 2004), numa referência ao projecto de 2004 com Camané e Manuela Azevedo. O one show man também revisitou os Silence 4 com “Give a Little Respect” (Silence Becomes It, 1998) e ofereceu ao público mais uma mistura criativa com “Video Killed the Radio Stars” e “The 80’s”.
A ausência de “Paranoia”, o tema novo que serve de avanço para o próximo álbum, foi sentida, mas a performance global foi suficientemente envolvente para que o público não ficasse desapontado.
Vilar de Mouros 2024: um festival de altos e baixos
A edição deste ano termina com um misto de emoções, com vários destaques pela positiva, ainda assim.
Os Capitão Fausto brindaram os fãs mais dedicados com um concerto focado em “Subida Infinita” (2023) e em clássicos como “Amanhã Tou Melhor” (Capitão Fausto Têm os Dias Contados, 2016), enquanto Crystal Fighters transformaram o recinto numa autêntica rave ao som de “LA Calling” (Cave Rave, 2013) e “You & I” (Cave Rave, 2013).
Ornatos Violeta emocionaram com uma celebração melancólica muito apoiada no álbum mais clássico da banda: O Monstro Precisa de Amigos (1999). Já os Die Antwoord surpreenderam com uma performance explosiva que muitos consideram o ponto alto do festival – incluindo nós.
O último dia, apesar da presença de bandas icónicas, não conseguiu resultar num final apoteótico. O público, disperso e pouco envolvido, reflectiu a dificuldade de criar um momento de união e celebração que um festival desta dimensão merece.
Com as datas de 2025 já confirmadas, resta esperar que a próxima edição (que comemora os sessenta anos sobre o primeiro Vilar de Mouros) consiga recuperar o entusiasmo e a energia que fizeram deste, um nome incontornável no panorama dos festivais de música em Portugal.
O TRENDY Report viajou até Vilar de Mouros num Nissan Juke cedido pela Salvador Caetano.