É quase certo que durante o dia de ontem tenham existido mais pessoas em videoconferência do que em qualquer outro momento da nossa História. É, também, provável que ultrapassemos esse recorde amanhã.
O mundo viu-se obrigado a mudar do dia para a noite. Teletrabalho, telescola, teleconsulta, distanciamento social, máscaras e medidas de confinamento, passaram a ser assuntos do nosso dia-a-dia. E este episódio de Black Mirror tornou-se uma rotina aos olhos da sociedade.
Como animais de hábitos que somos, também nos adaptámos rapidamente a esta nova realidade que, aos poucos e poucos, vai transformando a nossa vida e nos vai alertando para o que vai ser o futuro.
É certo que não vamos ficar fechados para sempre dentro de quatro paredes, nem poder dar aquele abraço às pessoas que estimamos, mas o panorama vai ser diferente e todos já estão a fazer contas à vida: «Será que vai ser possível estar num restaurante com vinte amigos ao mesmo tempo?», «Como será a praia no verão?» e «Quando vir um amigo na rua será que posso abraçá-lo ou será estranho?».
Se muitas das medidas adotadas durante este período serviram apenas e exclusivamente para ultrapassarmos a situação atual, é garantido que tantas outras terão impacto na forma como vivemos, trabalhamos e aprendemos no futuro. Não podemos ignorar as vantagens e os benefícios que muitas destas alterações, que nos foram forçadas para nos protegermos, possam vir a ter num contexto normal (o “novo normal” tão presente nas mais diversas conversas das últimas semanas).
Recordo-me que, há pouco mais de um mês atrás, fui contactado por um Cliente a informar que estariam a migrar os seus 170 colaboradores para o regime de teletrabalho devido ao estado de emergência, questionando de que forma poderíamos ajudá-los a manter o seu plano de formação relevante em formato remoto.
Hoje é claro que não estava sozinho nesta luta. Se em 2019 a formação à distância correspondeu apenas a uma parcela do plano de formação do nosso tecido empresarial, não há dúvidas que a sua representação será bastante diferente a partir de agora.
Não só devido a este período de confinamento e distanciamento, mas porque se torna cada vez mais evidente que é um formato que funciona, que gera valor acrescentado e que é, fundamentalmente, uma via válida para o desenvolvimento de competências no presente e, também, no futuro. Mas sejamos honestos: nem tudo à distância é um mar de rosas.
«Eu até prefiro estar em casa. Acordo, ligo o computador e estou nas aulas»
Quem já não ouviu várias vezes esta frase de um amigo, filho, ou do amigo do amigo do primo? Quando conversamos com alguém por videochamada, a conversa sobre a pandemia é inevitável.
Todos os dias alguém tem algo novo para dizer sobre o assunto e isto do trabalhar em casa, ter aulas em casa, e até de fazer exercício em casa, é um pau de dois bicos. Uns gostam, outros nem tanto. É verdade que é mais prático e facilita o nosso tempo, mas nem todas as experiências foram positivas e os obstáculos foram imensos.
Com transparência e humildade, é fácil aceitarmos que muitas das razões apontadas para o mau funcionamento do trabalho e da aprendizagem à distância prendem-se com fatores específicos da situação atual. Estamos todos fechados em casa, ansiosos, e com todo o nosso agregado familiar, a toda a hora.
Não estávamos preparados para esta alteração de um dia para outro, em espaço, equipamentos técnicos, ligações de internet com qualidade e, especialmente, em comportamentos e atitudes.
Mas imaginem se pudermos trabalhar e aprender à distância, com a devida preparação necessária, sem nenhuma obrigatoriedade de confinamento ou necessidade de gerir o que estamos a fazer, em simultâneo com o espaço, as vontades e as necessidades das restantes pessoas com quem partilhamos a casa (diga-se cônjuges, filhos e familiares).
As coisas poderão funcionar de forma bastante diferente e, certamente, para o melhor. Basta ligar os telejornais para perceber que a realidade que estamos a viver faz mais sentido do que nunca na nossa vida. Todos os dias se fala de novas maneiras de aprender, novas formas para continuar a investir no futuro e ocupação dos tempos livres, sem a necessidade (e, atualmente, os riscos) de nos deslocarmos entre espaços. Tudo corre com normalidade do outro lado do ecrã.
Por isso, sim. É positiva a forma como os cursos se adaptaram à nova pandemia. Mas mais importante do que isso, é muito positiva a forma como as pessoas estão a lidar com isso e a pensar que podiam continuar assim com o passar dos tempos, de forma sustentada, e tirando partido das vantagens destas mudanças. É a nova realidade e porque não o nosso futuro?
Uma nova forma de estar na vida e de aprender
O mundo “lá fora” está a mudar. Sei que ainda não tivemos oportunidade de o observar com os nossos olhos, nem de tocar nele, mas está a mudar e a nossa casa vai ser cada vez mais a nossa primeira casa porque vamos passar mais tempo com ela e o ir “lá fora” será vivido com mais intensidade do que alguma vez foi. Não será algo tão superficial ou natural como víamos antigamente. Parece que foi há muito tempo, mas não.
Estaremos nos livros de História e depois desta pandemia passar o que a matéria irá dizer é que 2020 trouxe um novo mundo. Um mundo mais tecnológico e digital. Nós no fundo sabíamos que estávamos a crescer nesse sentido, achávamos era que faltava muito tempo, e nós nem tempo tínhamos para pensar nisso.
Falou-se há vinte anos que em 2020 teríamos carros voadores e ainda ninguém tinha visto nada. Por isso, um vírus que nos ia deixar a todos em casa? Não nos passava pela cabeça, mesmo com os artigos científicos e eventuais alertas que foram surgindo. O mundo está a dar-nos tempo e é tempo que jamais vamos ter. Portanto, é hora de refletir e perceber que vamos entrar numa outra “plataforma” de viver.
Já há empresas a pensar que trabalhar de casa é uma mais valia. Os colaboradores são mais assíduos, estão confortáveis e até produzem mais, pois é inevitável não o fazer porque se torna mais forte do que nós não desligarmos a ficha. E para não falar da redução de custos, em espaço, água, luz e internet cinco dias por semana.
Estes mesmos colaboradores que gastam a internet, água e luz de casa, poupam em gasolina, passe de autocarro e almoços todos os dias fora. Por isso, todos ganham. Ganham tempo, dinheiro e, acima de tudo, qualidade de vida.
No desenvolvimento de competências, na formação e na aprendizagem, a realidade é idêntica. Muitas são as vantagens que esta nova realidade nos tem vindo a demonstrar. Mas nem sempre é fácil reconhecê-las, quando colocamos à mistura as adversidades que imperaram nestas últimas semanas, derivadas de um misto de preocupações, incertezas e, acima de tudo, falta de preparação de quem recebe, mas certamente também do lado de quem ministra e facilita, a formação.
Uma boa experiência de formação não brota naturalmente de uma modalidade específica. Não é melhor ou pior devido apenas à localização ou ao ambiente onde acontece. Assim, um curso à distância (nas suas mais diversas modalidades em modo síncrono ou assíncrono) não é uma experiência mais fraca ou menos impactante, apenas porque é ministrado remotamente.
Uma boa experiência de formação, independentemente do ambiente em que é disponibilizada, requer um planeamento cuidadoso para responder e tirar proveito de todas as suas variáveis, nas quais se inclui o ambiente em que é ministrada.
Planeamento esse que, infelizmente, na generalidade das situações não foi possível dada à obrigação da mudança imediata da formação em sala para a alternativa remota, de um minuto para o outro. Mas fez-se o melhor possível para que o mundo (neste caso, o desenvolvimento de competências) não parasse e são quase infinitas as aprendizagens que poderemos aplicar para a construção do futuro da formação.
Promover a melhor aprendizagem possível, independentemente do ambiente onde é ministrado, é o desafio das entidades responsáveis pela formação e educação. Reconhecer que a aprendizagem à distância pode exigir maior foco do participante do que numa formação presencial, e que, por isso, os programas de formação não podem ser idênticos quando são ministrados em modalidades diferentes, é uma prioridade.
Acreditar que sessões virtuais, quando bem planeadas e executadas, podem ter níveis elevados de concentração e envolvimento, garantido o impacto pretendido, é uma necessidade.
Encaremos, com humildade, este período como uma versão beta acelerada, que nos foi imposta, e que, naturalmente, existiram falhas. Muitas das quais, identificadas e solucionadas; outras, que implicam níveis de intervenção diferentes, com o devido planeamento para o futuro serão certamente ultrapassadas.
E foquemos no futuro e na oportunidade de criarmos valor com novas experiências formativas, sem nos esquecermos que a formação não tem der ser exclusivamente presencial ou remota, quando retomarmos uma realidade em que não nos sentimos inseguros fora de casa.
Pessoalmente, mal posso esperar pela oportunidade de dar as boas-vindas e um forte abraço a este futuro, com experiências formativas ainda mais impactantes, enriquecedores, flexíveis e ajustadas às especificidades de todos os stakeholders.