O realizador Luís Filipe Rocha tem uma nova longa-metragem, Cinzento e Negro, que divide a sua acção entre Lisboa e a Ilha do Pico, nos Açores. Falámos com o realizador – que é também o autor do guião deste filme – para saber mais sobre esta enigmática obra.
Cinzento e Negro estreia nas salas de cinema portuguesas no dia 19 de Maio. Muito antes disso, já passou por alguns festivais de cinema, onde tem conseguido deixar boa impressão.
No Caminhos Film Festival, em 2015, conseguiu arrecadar o Prémio do Público Melhor Filme, por exemplo; no Figueira Film Art, também no ano passado, foi distinguido com o prémio de Melhor Longa-Metragem, Melhor Realização e Melhor Argumento, entre outros.
A sinopse do filme indica apenas «uma história vulcânica. Traição, roubo e fuga, perseguição e vingança. Amor, solidão e morte» – tudo misturado com a paisagem do Pico.
De onde partiu a ideia para este filme?
Partiu de duas imagens: uma mulher que me atendeu numa agência funerária, em 2003, que usava uma bota ortopédica; a mesma mulher, duas ou três semanas depois, numa rua de subúrbio, coxeando ajoujada com sacos de plástico de compras domésticas, acompanhada por um homem que, pela displicência das mãos nos bolsos e o cigarro na boca, só podia ser o companheiro dela.
Essas duas imagens, cuja desolação e injustiça clamavam por vingança, não me abandonaram durante quase seis anos. Em 2009, instigaram-me a reler as Tragédias Gregas e a começar a escrever este filme.
Alguma razão em especial para um dos cenários ser a Ilha do Pico?
A Ilha do Pico é, para mim, um natural palco trágico. Oferece, visual e dramaticamente, um cenário vulcânico propício à erupção de emoções e acções violentas. Desde o momento em que a “história” se armou, o Pico passou a ser a quinta personagem do filme, tão essencial e indispensável como as outras quatro.
Como foi trabalhar com este grupo de actores?
Já tinha trabalhado com o Filipe Duarte no meu filme anterior, A Outra Margem. Nunca tinha trabalhado com a Joana Bárcia, a Mónica Calle e o Miguel Borges e conhecia-os mal. Faço sempre testes, normalmente exigentes e meticulosos, em relação aos actores que conheço mal.
Desta vez, deliberadamente, deixei-me guiar apenas pela intuição e pela empatia. Dei-lhes o guião a ler, escutei as suas reacções, falámos sobre o que eu desejava obter deles – a implicação do ser de cada um nas personagens delineadas apenas pelas situações e diálogos – e confiei no seu trabalho criativo. Trabalhámos sempre com muita liberdade e, sobretudo, mútua confiança.
O Luís é responsável pela realização e também pelo guião do filme. Sente que a tarefa está facilitada assim, que consegue ter maior controlo sob o filme?
Sempre escrevi os guiões dos meus filmes, em dois deles a quatro mãos, sempre interiormente ligado a eles desde as primeiras imagens e das primeiras palavras. Para mim, a arte de contar histórias acontece e expressa-se assim.
É, penso eu, a consequência natural do meu fascínio, desde a mais tenra infância, por essa arte ancestral, tão antiga como a própria humanidade.
O filme tem tido uma reacção muito positiva no circuito dos festivais de cinema. Estava à espera deste tipo de resposta?
A minha única preocupação centra-se na capacidade de comunicação que um filme meu encerra, ou não, para se relacionar individualmente com cada espectador. É a qualidade da relação com cada espectador, com cada ser humano, o que me preocupa e o que procuro. Nesse sentido, os festivais, que normalmente aparecem antes da saída comercial do filme, são o primeiro teste que obtenho para percepção dessa relação filme-espectador.
Os prémios são sempre agradáveis de receber, pelo que significam de reconhecimento pelo trabalho realizado, mas os debates com os espectadores são sempre mais importantes porque neles se revela, individualmente, a capacidade ou a incapacidade de comunicação do filme com o espectador.
Preocupa-o que esta resposta dos festivais possa não corresponder à resposta das salas de cinema?
Preocupa-me que, nas salas de cinema, cada espectador que veja o filme desfrute dele o mais profundamente e prazenteiramente possível. A quantidade de espectadores, que é o que mede “a resposta das salas de cinema”, nunca constituiu para mim, ao longo de mais de 40 anos de actividade, um objectivo a atingir.