Na linha de All the President’s Men (1976, Alan J. Pakula), Spotlight é um filme sobre jornalismo, baseado num caso real. Aqui, o foco é o escândalo de abuso de crianças por padres na cidade de Boston, no princípio dos anos 2000.
Adaptar uma história real ao cinema, quando o caso é um filme sobre jornalismo e jornalistas, é bastante comum e os resultados não costumam defraudar as expectativas. Foi o que aconteceu com o filme que já referi na entrada desta crítica, onde o caso que servia de âncora ao guião foi o escândalo Watergate, que acabou por resultar no impeachment do presidente dos EUA Richard Nixon.
Também sobre Nixon, há um filme que vale a pena ver: Frost/Nixon, que nos mostra os bastidores da entrevista (e a própria entrevista) feita pelo jornalista britânico David Frost ao então já ex-presidente – foi em 1977, três anos depois da sua saída forçada da Casa Branca.
Há outros exemplos onde os jornalistas são retratados como heróis e onde estão dispostos a ir até ao fim para conseguir trazer para as primeira páginas a verdade sobre um assunto. Talvez valha a pena mencionar aqui outro grande filme do género: The Insider, em que Russell Crowe expõe, no programa de reportagens 60 Minutos, os verdadeiros malefícios do tabaco, pondo em causa a gigante Brown & Williamson.
Spotlight fica muito bem na ala do cinema dedicada aos filmes ‘baseados em factos verídicos’, até porque ajuda muito bem a desconstruir o caso do abuso sexual por padres e mostra uma pequena história sem importância se pode, afinal, revelar apenas ser a ponta do iceberg.
O nome do filme é tirado da equipa especial de investigação do jornal norte-americano Boston Globe, aqui composta por Mark Ruffalo (Mike Rezendes, de descendência portuguesa), Michael Keaton (Walter Robinson), Rachel McAdams (Sacha Pfeiffer) e Brian d’Arcy James (Matt Carroll).
É à volta deste núcleo-duro de actores que a trama gira, sem que haja espaço para que outros intérpretes brilhem – a excepção será Liev Schreiber (Marty Baron), que chega no início do filme para substituir o anterior editor-in-chief do Globe e que acaba por ter um papel fundamental na história.
Estes “Vingadores do Jornalismo” estão muito bem entrosados, fazendo transparecer a ideia de que trabalham juntos há anos – isto é muito importante para a credibilidade do filme e determinante para o desenlace final.
Além das relações criadas entre os actores para darem vida à equipa Spotlight foi também muito importante a direcção dada à forma como a história avança (lembre-se o nome do realizador: Tom McCarthy), tal como numa sinfonia, a fazer lembrar um pouco a opera Carmen, de Bizet.
Ao princípio os instrumentos começam a tocar quase como que a medo (os jornalistas não dão nada pela história) mas depois, à medida que vão entrando novos ritmos (pistas, novas informações), há um crescendo de ritmo que terminal em apoteose (afinal, não eram só dois ou três abusos em Boston).
A história é pública, já tem quase 15 anos, e toda a gente sabe no que resultou: da investigação em Boston, a atenção virou-se para a totalidade dos Estados Unidos da América e, logo a seguir, para o resto do Mundo. Ainda hoje, este é um caso tabu para o Vaticano.
O ritmo bem controlado imposto por tom McCarthy tem, contra si, o facto de dar uma história muito linear ao público – ou seja, é muito fácil antecipar reacções das personagens ou momentos, mesmo para quem não conheça o que realmente aconteceu. Contudo, como Spotlight é baseado num caso verídico, a liberdade criativa do realizador e do argumentista (Josh Singer, em cooperação com o próprio McCarthy) ficou muito limitada.
Isto não significa que não se consiga prender o espectador ao ecrã; o que acontece é que, provavelmente, só vai começar a sentir-se empolgado quando passar a primeira hora de filme, momento a partir do qual as coisas começam realmente a acontecer, fruto de uma (como já referi), bem controlada narrativa ascendente.
Quem é fã do género vai gostar especialmente de uma coisa: quase que se sente o “cheiro” da redacção no cinema, tal é a forma como as salas do Boston Globe abraçam e puxam o espectador para o centro da acção.
Além disso, em todos os momentos em que os repórteres saem à rua para ir atrás das história, nós vamos com eles: McCarthy escolheu, e bem, usar sempre planos próximos em vez de filmar à distância.
Isto acaba por contribuir decisivamente para a imersão da audiência no filme e na história, algo que não se fazia tão bem desde All the President’s Men, considerado o ‘gold standart’ para as fitas deste tipo.
Spotlight não é, como seria de esperar, fogo de artifício hollywoodesco: é uma espécie de Whiplash de 2015 (uma boa fórmula e acting irrepreensivo – que até pode valer a estatueta a Ruffalo) que pode ser a surpresa dos Óscares deste ano.